A patética discussão de penteados
Estes três podiam ser uma espécie de cocó, ranheta e facada.
Andavam quase sempre juntos, amigos do peito. Nenhum deles permitia que alguém
pudesse falar mal dos outros. As conversas tinham piada, andavam sempre em
torno das aventuras da adolescência, das namoradas da altura, numa época em
que, supostamente, a amada ficava à janela.
«Era, era… a mãe desse casou grávida dele», provocava o
ranheta em direcção ao facada, que não se ralava e contra-atacava com o que lhe
viesse à cabeça, sendo que o resultado era sempre o mesmo: gargalhada geral.
O pior era quando, já com um copito a mais, começavam a
discutir sobre os penteados de cada um.
O cocó usava capachinho. Mas desmentia.
O ranheta era careca, mas puxava o risco para a direita junto
da orelha esquerda e disfarçava a falta de cabelo. Era uma espécie de ninho de
andorinha. «Careca? Eu? E tu és mentiroso…», respondia, danado, sempre que lhe
tocavam no ponto fraco.
Já o facada disfarçava os cabelos brancos com uma tinta preta
manhosa. Dava perfeitamente para perceber que era pintado, mas ele garantia que
não, que era natural.
As discussões duraram, duraram, até ao dia em que uma rabanada
de vento levantou aquela espécie de ninho que o ranheta dizia ser cabelo e fez
uma espécie de crista.
A galhofa foi de tal forma que o ranheta, em brasa, deu um
safanão tão grande no capachinho do amigo cocó que o risco ao lado ficou virado
para as costas.
O facada assistia de cadeirão e ria a bom rir. Os outros não
esqueceram. Ele também tinha o seu ponto fraco.
Certo dia, conversavam os três e, de repente, cai uma chuvada
daquelas. Não tiveram outro remédio senão correr rapidamente para a tasca mais
próxima. Encharcados, tentavam limpar-se. E foi aí que caiu a máscara do
facada. A água que lhe escorria pela cara, pescoço e até ao colarinho da camisa
era… preta.
Aquilo foi rir até poder. A partir desse dia o facada ganhou
duas alcunhas: menino da lágrima preta e… choco com tinta.