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segunda-feira, 30 de julho de 2018


A patética discussão de penteados



Estes três podiam ser uma espécie de cocó, ranheta e facada. Andavam quase sempre juntos, amigos do peito. Nenhum deles permitia que alguém pudesse falar mal dos outros. As conversas tinham piada, andavam sempre em torno das aventuras da adolescência, das namoradas da altura, numa época em que, supostamente, a amada ficava à janela.

«Era, era… a mãe desse casou grávida dele», provocava o ranheta em direcção ao facada, que não se ralava e contra-atacava com o que lhe viesse à cabeça, sendo que o resultado era sempre o mesmo: gargalhada geral.

O pior era quando, já com um copito a mais, começavam a discutir sobre os penteados de cada um.

O cocó usava capachinho. Mas desmentia.

O ranheta era careca, mas puxava o risco para a direita junto da orelha esquerda e disfarçava a falta de cabelo. Era uma espécie de ninho de andorinha. «Careca? Eu? E tu és mentiroso…», respondia, danado, sempre que lhe tocavam no ponto fraco.

Já o facada disfarçava os cabelos brancos com uma tinta preta manhosa. Dava perfeitamente para perceber que era pintado, mas ele garantia que não, que era natural.

As discussões duraram, duraram, até ao dia em que uma rabanada de vento levantou aquela espécie de ninho que o ranheta dizia ser cabelo e fez uma espécie de crista.

A galhofa foi de tal forma que o ranheta, em brasa, deu um safanão tão grande no capachinho do amigo cocó que o risco ao lado ficou virado para as costas.

O facada assistia de cadeirão e ria a bom rir. Os outros não esqueceram. Ele também tinha o seu ponto fraco.

Certo dia, conversavam os três e, de repente, cai uma chuvada daquelas. Não tiveram outro remédio senão correr rapidamente para a tasca mais próxima. Encharcados, tentavam limpar-se. E foi aí que caiu a máscara do facada. A água que lhe escorria pela cara, pescoço e até ao colarinho da camisa era… preta.

Aquilo foi rir até poder. A partir desse dia o facada ganhou duas alcunhas: menino da lágrima preta e… choco com tinta.

domingo, 29 de julho de 2018


O espião
 

O espião é um homem com aparência normal, na casa dos 50 anos. Na verdade, tem cara de maluco e, acredito eu, tendo em conta o seu dia-a-dia, não pode bater bem da bola. Costumam apontar o dedo às porteiras, normalmente as alcoviteiras do bairro. Ali não. O espião é quem controla. E não tem rolos na cabeça.

No fundo, é uma espécie de Fernando Pessoa mas de carne e osso. O café também não é a Brasileira, mas sim um estabelecimento bem perto de minha casa.

A porta abre às 8 da manhã e, às vezes, ainda faltam dez minutos e já ele está à espera. Senta-se quase sempre na mesma mesa, numa pose de Fernando Pessoa, perna traçada. Bebe sobretudo cafés (mentira! Já o apanhei a beber umas garrafinhas de tinto, mas não muitas vezes…). Sabe tudo. De quem é o carro X, quem mora na casa Y. As horas a que cada um entra ou sai. E só arreda pé quando o estabelecimento fecha. E fecha tarde.

No meu caso em concreto, por exemplo, sabe as horas em que vou com o cão à rua. E se é antes da hora habitual, não se contém: «Então, Rui! Hoje o seu amigo veio 10 minutos mais cedo»; se me atraso, atira: «estava a ver que o cão hoje não fazia xixi».

Às vezes apetece-me mandá-lo para qualquer sítio, confesso que me irrita ver aquela alminha ali, de manhã à noite. Deve ser triste viver assim, aparentemente sem qualquer objetivo, a não ser vigiar a vida dos outros.

Mas se calhar é a vida que ele gosta e às vezes até dá jeito aos vizinhos, como quando um carro dá um toque no outro, a estacionar ou a sair do lugar, e aí está ele a tirar a matrícula.

É o verdadeiro espião, ainda que sem máquinas fotográficas ou gravadores escondidos (acho eu…). Bem, no que diz respeito a máquinas fotográficas, espero que não as tenha. Tenho a mania de andar todo nu por casa…

sábado, 28 de julho de 2018


O seca adegas…


Se me convidarem para comer, estou lá. Já para beber não sou grande companhia. Por volta da sexta imperial já sinto as bochechas a aquecer e aquela vontade de rir por tudo e por nada.

E depois lá vem aquela conversa do «com esse tamanho todo não aguentas álcool?». Pura parvoíce. Afinal, o que tem o tamanho da pessoa a ver com o álcool?

É aqui que entra na história o nosso protagonista. Vamos chamar-lhe seca adegas. Trata-se de meio metro de gente, na casa dos 70, uma bigodaça daquelas à maneira.

Admiro o seca adegas. O homem começa a carregar o macho às 10 da manhã. Opta por uma taça de vinho branco, daquele do garrafão. Tem de estar é fresquinho. Até saltar de etapa, ainda esvazia mais cinco taças. E eis que, com o aproximar da hora do almoço, dá o passo seguinte. O vinho branco dá lugar ao Favaios ou Moscatel. Dois, três, quatro…

E penso: nesta altura já eu andava de gatas. Mas ele não. Aguenta ali, firme e hirto. Nem cambaleia.

De tarde o roteiro está feito. De bar em bar a aviar… sempre cerveja. Opta pelas médias, mas já reparei que a marca pouco importa. Tem é de estar fresquinha. Vira uma, duas, três… é de perder a conta.

Já vi que ao jantar bebe vinho, mas depressa volta às cervejas. Deve ajudar a fazer a digestão…

Quase todos os dias o encontro por volta da uma da manhã, mais coisa, menos coisa, quando regresso a casa. Está, imagine-se, no último café a fechar lá no bairro. E a fazer o quê? A encher o depósito, pois claro. Fico na paragem à espera do autocarro, feito calão, e é vê-lo passar… com mais duas médias na mão. É a gasolina até chegar a casa. Ele mora longe, talvez a 100 metros dali. Mas o homem não tem culpa que o carro gaste muito…

Não cambaleia! É impressionante! E penso: eu cá já estava em coma alcoólico. Ele não. E é meio metro de gente. Mais: o único sinal que deixa perceber que está com os copos tem a ver com um movimento de lábios, que ganham maior expressão por causa do bigode, e umas caretas que têm muita piada. Nos dias em que vai mais acelerado também pisca os olhos. Ah, é verdade, e conversa com ele próprio – é educado e nunca o vi tratar mal ninguém.
Não sei se em casa ainda tem alguma coisa de reserva. O que sei é que no outro dia… aí está ele para as curvas!!! O seca adegas acorda cheio de sede…

sexta-feira, 27 de julho de 2018


O bairro, o Tó Punk e os Stranglers…
 

Sou bairrista. E assumo. Considero-me um privilegiado por ter passado grande parte da minha vida em bairros. Na minha Alcântara de sempre, mais concretamente no Alto de Santo Amaro, uma espécie de bairro dentro do bairro, e no Bairro Alto, aqui por razões profissionais.

E digo com convicção: infelizmente, nem todos têm a felicidade de crescer/viver num bairro, onde os «manos» nem sequer são irmãos e ninguém fica para trás. Há união, amizade pura, sejas polícia ou ladrão, estudes para padre ou vendas droga. Ninguém se olha com desdém.

Naturalmente, uns são mais amigos de uns do que de outros. É normal. Mas no essencial todos empurram para o mesmo lado.

E num bairro há muitas histórias para contar, há sempre aquelas figuras que marcam. Hoje, nem sei porquê, tenho-me lembrado do Tó Punk.

O Tó Punk era uma figuraça, uma maravilha de rapaz. Mas olhar para ele… assustava. Então nos anos 80, em que tatuagens era coisa de drogados. Mas o Tó Punk não era só tatuagens. Era botas da tropa, calças e t’shirts rasgadas, correntes nos bolsos, brincos nas orelhas e piercing no nariz. Mas era aquela crista no cabelo que mais chocava quem olhava. Uma crista enorme, umas vezes cor de laranja, outras cor-de-rosa, enfim, a cor dependia do estado de espírito do Tó naquele dia.

Não era uma simpatia. Defendia uma máxima do género «os punks não se divertem» e, como tal, optava quase sempre por um ar fechado. Mas não era por isso que deixava de ser «mano». Aparentava ser má companhia, mas não era. Fumava as suas (muitas) brocas, mas não tentava ninguém.

Numa das ruas do bairro havia, na altura, um salão de jogos, onde entre máquinas de moeda e matraquilhos também se passava muita droga, na maioria haxixe. Só lá ia quem queria.

E entre as tais máquinas e matraquilhos havia uma caixa de música. O cliente metia a moeda e escolhia o som que queria ouvir. Ali, reinava o hard rock e o heavy metal – rap é coisa mais recente.

E é aqui que o Tó Punk entra outra vez em cena. Entrava no salão de jogos de moeda na mão e escolhia sempre a mesma música: Golden Brown, dos Stranglers. Encostava-se na caixa de música, fechava os olhos, sentia o som, sabia a letra de trás para a frente e de frente para trás. Batia o pé e fingia tocar a bateria. Na verdade, ele até sabia tocar bateria, os movimentos dele com baquetas imaginárias deviam de ser os corretos, as notas musicais deviam ser aquelas.
A verdade é que ainda hoje, quando oiço os Stranglers, sobretudo na malha Golden Brown, me lembro do Tó Punk. Essa malha continua intemporal. É boa hoje como era há 30 anos. É imortal. Não sei se o Tó Punk ainda a continua a ouvir. Partiu para parte incerta…

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Já há algum tempo que tenho esta ideia: criar um blogue! Um espaço que seja MEU, no qual possa dizer o que me apetece... de quem me apetecer, ciente naturalmente dos riscos que posso correr.
A minha sorte é que, normalmente, os meus reparos são gozo, brincadeira pura. Sem malícia.
E é essa a ideia. Brincar com tudo e todos. Rir é mesmo o melhor remédio e pelo menos vou tentar fazer com que as pessoas possam rir ou quanto muito sorrir com todo o tipo de parvoíces. Prometo estar atento a tudo e todos. E não pouparei nos comentários...
Haverá também espaço para a critica dura, o reparo frio sempre que considere importante.
A família também será visada, não fosse ela o centro do MEU mundo.
Ah! E o cão! Esse também está sempre presente.
Usarei uma linguagem simples que possa chegar a todos. No fundo, o espelho daquilo que eu sou: simples e com um respeito imenso por todos, independentemente da sua condição social.

É bom não esquecer: podem tirar-me do bairro, mas o bairro nunca sai de mim...

Alcântara forever!!!